texto para a edição nº 34 do Jornal Cotexto*,
por André Teixeira e Anne Samara
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| Jesus expulsando os vendilhões do templo. Por Rembrandt (1626) |
Impossível contabilizar as religiões existentes em todo o mundo. Nos grandes centros e nas cidades de médio ou de pequeno porte tais quais bares e farmácias, os locais sagrados são facilmente encontrados. O mesmo não acontece em regiões ermas, mas ainda assim existe em suas tradições uma ‘força criadora de tudo’, sob diversos nomes: Tupã, Jeová, Olorom, Krishna, Deus, Alá, ou Tchu-tchu da montanha.
Um ponto comum entre a maioria dessas crenças é a doação. Em tempos antigos, ainda que insumos agrícolas servissem, o sangue era moeda corrente, com sacrifícios humano ou animal. Algo desses rituais ainda persiste, mas a maioria das religiões dos dias atuais orienta que a paga seja em espécie.
Devido ao campo para esta investigação ser muito amplo, envolvendo desde os dízimos e doações extras dos fiéis passando pelo ciclo artesanal e descambando no ciclo industrial dos produtos baseados em símbolos e ícones da crença, apresentamos um recorte centrado em religiões que tem significativa expressão em Aracaju, através da opinião de lideranças espirituais, fiéis e simpatizantes, com o objetivo de saber um pouco sobre as dinâmicas econômicas das práticas religiosas.
O dízimo e as religiões abraâmicas
Oriundo das práticas monoteístas de Abraão, da mesma forma que o Judaísmo e o Islamismo, o Cristianismo tem em seu livro sagrado a orientação de doação para caridade de 10% da renda anual dos fiéis. A religião mais praticada no mundo também o é no Brasil e em Sergipe, cujo índice chega a 79,96% de católicos, segundo pesquisa divulgada em 2009 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sendo 4º no ranking nacional, arrecadando R$ 10,3 milhões ao ano.
Sobre o dízimo, Eleni Aragão, católica praticante há 62 anos e frequentadora da igreja São Francisco de Assis, no bairro Inácio Barbosa, diz que acha correta a oferta, pois “A Bíblia pede que se doe a décima parte dos seus ganhos. Está lá em Malaquias, capítulo 3, versículo 10: ‘Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa e provai-me nisto, [...] se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós bênção sem medida’.”. Sobre o comércio de produtos relacionados ao catolicismo, Eleni, voluntária em diversas ações sociais da sua paróquia, comenta que “Se for para caridade e fora da igreja, está tudo bem”.
Porém, conhecer a Bíblia e as práticas cristãs não significa arrebanhar novos adeptos, como disse-nos o filósofo Vicente Fiscina. “Minha intenção quando entrei para a faculdade era ser padre, mas quando me deparei com a história da igreja católica e seus desmandos contra a humanidade, desgostei de vez”, revela.
Questionado sobre a relação ‘religião e dinheiro’, o professor licenciado pela UFS acredita “ser a mais promíscua de todas que envolva religião. Não consigo encontrar justificativas minimamente plausíveis para entender como algo que lida com o ‘imaterial’ dependa de algo ‘material’. Como compreender que alguém que se diz ‘missionário de Deus’, que diz pregar o evangelho, necessite de bens que inclusive vão além de suas igrejas?”, questiona Vicente.
De Lutero e o simonismo católico à ética protestante de espírito capitalista
Em 1507 quando Martinho Lutero escreveu as 95 teses que originaram a Reforma Protestante, iniciou uma divisão na igreja Católica que viria a originar as igrejas de tradição luteranas, reformadas e anabaptistas. Na tese 27 Lutero escreveu “Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando do purgatório para o céu”. E complementa com a tese seguinte, que “Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, pode aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus”. Em muitas das outras 93 teses, Lutero procura mostrar a incompatibilidade da prática de simonia (venda de indulgências) com a prática espiritual, motivo principal pelo qual escreveu-as.
No livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1920, o sociólogo e economista alemão Max Weber discorre sobre como o Protetantismo liberou o cidadão da culpa cristã de acumulação privada de capital. No entanto, o que há odiernamente é o incentivo de contribuições à igreja como agradecimento à liberdade adquirida. Essa maior ligação entre o espírito empresarial e as organizações religiosas se apresenta como prática constante no segmento religioso que, segundo a mesma pesquisa da FGV, cresceu de 16,2% para 20,2% do início da década até o final da pesquisa no Brasil: o evangélico. Dessas, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fundada pelo pastor Edir Macedo em 1977, é a que mais agrega fiéis em torno de si. Baseada no conceito da ‘doação a Deus’ e na ‘Teologia da Prosperidade’ prosperou o suficiente para comprar dezenas de veículos de comunicação, incluindo jornais, revistas, sites, emissoras de rádio sendo algumas próprias e outras alugadas e 23 emissoras de tv, entre elas a Rede Record e Record News, além de sites na internet onde os fiéis de todo planeta, por meio de doações em conta bancária a partir de R$20, podem se tornar ‘internautas missionários’.
Sobre dízimo e doações feitas à IURD conversamos com o pastor Erasmo no templo do bairro Siqueira Campos. “A base da nossa fé é a Bíblia. Jesus disse ‘Dai e ser-vos-á dado’. Essa é a lei de Deus. Na natureza nós vemos isso, se você joga uma semente, você a recebe multiplicada numa árvore. Essa é a nossa tese.” O pastor cita a Bíblia para ratificar o depoimento. “No livro de Malaquias, inclusive, há um exemplo da promessa de Deus àquele que usa a fé no que se diz respeito à vida econômica. Se uma pessoa quer perdão, ela tem que dar perdão. Então, não tem como eu querer prosperar financeiramente e querer dar outra coisa que não é aquilo que eu queira receber”, disse o pastor que também é apresentador de programas da TV IURD.
Apesar dos vários processos - no Brasil e em outros países - contra a IURD, quase todos de aspecto fiscal, como denúncias de desvio e lavagem de dinheiro, o bispo Edir Macedo - que chegou a ser detido por duas semanas em 1992, aumenta progressivamente seu rebanho, presente em mais de 180 países. A renda anual da IURD é estimada em R$ 3 bilhões.
Um ateu se manifesta
Fuinho Cotchobambo oscila entre ateísmo e agnosticismo. Apesar disso o professor prefere o anonimato na rede social ‘Facebook’ por motivos profissionais, pois trabalha em uma escola tradicional, diz nutrir “um grande interesse em conhecer mais sobre as diversas manifestações religiosas”.
Quanto à relação igreja-dinheiro, ele diz: “Fico fascinado com a incapacidade do dito evoluído homo sapiens que fecha seu cognitivo e seu raciocínio ante a qual seja a deidade. A meu ver, a crença cega na religião e no fato de o dinheiro poder ‘comprar’ esta ou aquela cura, vem do vácuo que o indivíduo permite desenvolver em si próprio quando surgem adversidades. O caminho do pensador preguiçoso é justamente esse: ao invés de refletir para buscar alternativas, as ‘compra’. É ai que entram os padres e pastores ‘superstars’ com conhecimento de estratégias de marketing e neurociência (seja empírico ou acadêmico), estimulam as oportunidades para o indivíduo comprar o que falta para preencher o tal vácuo. Nada diferente do que vemos em canais de tv como o ‘Polishop’ e similares”.
Filosofia, ciência e religião
A demografia religiosa em Sergipe aponta a predominância das duas vertentes cristãs supracitadas, no entanto, o Espiritismo apresenta-se como uma opção abraçada pari passu por seguidores de muitas outras religiões.
Durval dos Santos é aposentado e teve parte dos seus 70 anos dedicados ao catolicismo. “Cheguei a ser ‘coroinha’ quando prestei serviço militar no Exército, nos anos 60.” Seguiu como católico praticante até a igreja não conseguir responder suas dúvidas. “A partir dai abracei a doutrina espírita. Ja fazem 32 anos”. Questionado por que, disse-nos que “é a única que une filosofia, religião, ciência, que me dão as respostas que preciso. De onde vim, para onde vou e o que eu estou fazendo aqui.”
Disse-nos que durante os cultos espíritas não é pedido dinheiro. “O máximo que acontece é pedir para a caridade a doação de alimentos e gêneros de primeira necessidade. Todo dinheiro arrecadado na venda de livros é revertido para a caridade e manutenção da Editora da Federação Espírita Brasileira”, que lança quase todos os livros do gênero. Durval finaliza “Dos livros lançados pelo Chico Xavier, ele não recebeu nada, nem um dinheirinho dos direitos autorais. Tudo pra caridade”. Foram 401 livros no total.
Um detalhe importante Durval nos revelou. “Ninguém nos centros espíritas, quer exerçam funções administrativas ou de mediunidade, ou mesmo o pessoal da limpeza, ninguém recebe nada! O que é realizado nas Federações e Centros Espíritas, incluindo os passes e, em alguns centros, as cirurgias, todo esse trabalho é voluntário”.
Candomblé e ancestralidade
O culto às divindades africanas começou no Brasil logo que os primeiros navios negreiros aportaram aqui. Se desenvolveu com influência dos sacerdotes de diversas nações, absorvendo uma ou outra característica até o século XIX, quando se constituiu no Candomblé, uma “religião brasileira de influência africana”, disse-nos a mestranda em antropologia Martha Sales, que também é Iyalaxé no Ilê Axé Omin Mafé, no Município de Riachuelo/SE.
Para o sustento dos terreiros, cada casa é livre e independente para cobrar pelos serviços espirituais ou mágicos, como o jogo de búzios, ebós, limpezas espirituais (de pessoas, de casas ou de comércio), abertos a praticantes ou não praticantes do Candomblé. Martha contou-nos que em Sergipe houve o caso de uma mulher que foi na justiça tentar reaver o dinheiro investido em um serviço mágico que não resultou no esperado. A defesa saiu vencedora, alegando que, por exemplo, quando um casamento dá errado, a igreja não devolve o que foi pago para realização da cerimônia.
À frente da Sociedade Omolàiyé de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais, uma instituição da sociedade civil com o objetivo de difundir o conhecimento sobre a cultura afro-descendente à sociedade, além de “participar de editais que tenham a finalidade de inclusão social das tradições africanas visando sua inserção nas políticas públicas”, concluiu a pesquisadora.
Imunidade fiscal e produtos culturais
Todo o dinheiro recebido por instituições religiosas é imune a taxações de cunho fiscal. De acordo com a Constituição Federal de 1988, “existem certas limitações na ceara do poder estatal de tributar, em particular, aos entes da federação não compete instituir impostos sobre templos de qualquer culto, e, mais ainda, tal vedação compreende o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com os fins essenciais relacionados ao templo.”
Nesse aspecto o impacto econômico na sociedade gerado pelas religiões, da mesma forma que a totalidade de crenças, é impossível determinar. Se incluirmos nesta conta a renda dos produtos da indústria cultural que usa os ícones da fé como seus motivos (filmes, livros, discos e dvds musicais), além do tradicional turismo religioso, teremos um montante que certamente se perderá de vista. Ao menos das nossas.
Última pergunta
Se ao personagem principal das religiões ocidentais fosse permitido perguntar algo sobre o assunto religião vs. dinheiro, Jesus de Nazaré muito provavelmente teria dito o que está registrado na Bíblia em João 2:15-16: "Tirai daqui estas coisas [cabras, pombos, ovelhas e dinheiro]; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio."
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Fontes consultadas:
www.cps.fgv.br/religioes; www.ibge.gov.br
www.cnbb.org.br/site; migre.me/8W4qJ
www.arcauniversal.com/iurd
www.bibliaonline.com.br/
* A edição nº 34 do Contexto - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFS - não foi impressa, permanecendo assim todas as suas matérias inéditas. Foi produzido para a disciplina Laboratório em Jornalismo Impresso I, ministrada pela profª Sonia Aguiar.

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